domingo, 8 de abril de 2012

A nova economia emancipando e dando poder político a burguesia

A nova economia emancipando e dando poder político a burguesia

Agora com a base teórica construída e as mentalidades amplamente influenciadas pelo pensamento iluminista/liberal, a classe burguesa passa a ter como princípio norteador de suas ações acabar completamente com as bases do Antigo Regime e assumir ela também o poder político. Nesse capítulo discutiremos essencialmente os processos revolucionários, iniciados no século XVII, que levaram as burguesias inglesa e francesa a destituírem a nobreza e assumirem elas próprias o poder.



Ilustração 20: Carlos I, rei decapitado durante a Revolução Inglesa. Fonte:http://www.brasilescola.com/historiag/revolucao-inglesa.

Como já vimos, na Inglaterra a dinastia Stuart voltou ao poder depois da morte de Oliver Cromwell e do mal sucedido governo de seu filho Richard em 1659. Carlos II (1660-1685), filho do rei decapitado onze anos antes, assume a coroa inglesa no movimento conhecido como restauração.

Tanto Carlos II como seu sucessor, Jaime II (1685-1688) pelo jeito não aprenderam com os longos anos de guerra civil que o absolutismo era um sistema de governo que não tinha mais lugar na vida política da Inglaterra. Apesar do que acontecera com o primeiro rei da dinastia, ambos continuaram com a política centralizadora e autoritária de governo. Calcados ainda na antiga concepção de direito divino dos reis, continuaram a ter relações extremamente conflituosas com o Parlamento.

Dois elementos agravavam a relação entre os dois poderes:


a) um de natureza política, porque principalmente Carlos II era aliado da monarquia francesa de Luis XIV, havia sido educado na corte francesa e isso sempre gerava desconfiança do Parlamento inglês, pois havia sempre a possibilidade do monarca estabelecer políticas de aliança com os franceses, fato totalmente descartado pelos parlamentares que viam na França um eterno inimigo;

b) um religioso, pois os dois monarcas eram católicos em um país com uma Igreja oficial protestante, o anglicanismo. Os reis tentando ampliar a influência católica no governo nomeando membros da Igreja romana em altos cargos, e, em contrapartida, o parlamento aprovava leis (como a lei do Teste) que impediam tal fim;

O ponto culminante da ruptura entre Parlamento e rei se deu com o segundo casamento de Jaime II com uma católica. Esse fato abria a possibilidade da Inglaterra ser governada por um herdeiro legitimo católico que poderia recolocar a Igreja Católica como credo oficial. As diferenças políticas internas do Parlamento sumiram e os políticos ingleses passaram a atuar na via de derrubar a dinastia Stuart.

O problema é que as feridas da guerra civil ainda não estavam cicatrizadas e optou-se por uma via pacifica, que evitasse os desgastes naturais que uma nova guerra certamente traria.

Isso explica porque os parlamentares ingleses se aliaram com Guilherme de Orange, soberano holandês e casado com Maria Stuart, filha protestante de Jaime II. Guilherme invadiu com suas tropas a Inglaterra sem maiores problemas, afinal tinha o apoio do Parlamento, e depôs Jaime II que fugiu para a França.

Esse movimento, ocorrido em 1688, foi denominado de Revolução Gloriosa, pois ocorreu sem batalhas, se caracterizando mais como um golpe de Estado. O mais importante desse processo é que o parlamento foi o grande vitorioso, pois conseguiu o juramento do novo rei para que assinasse a Declaração de Direitos (Bill of Rights).

A principal mudança imposta pela Declaração de Direitos tratava da relação entre o rei e o Parlamento. As eleições parlamentares deveriam acontecer regularmente. Além disso, nenhuma lei parlamentar poderia ser vetada pela autoridade real, nenhuma guerra poderia ser aprovada sem a aprovação do Parlamento e, após a morte do rei, eram os parlamentares quem dariam a ultima palavra na indicação do sucessor ao trono.

Os gastos da família real deveriam ser controlados pelo Parlamento e nenhum exército poderia ser mantido em tempos de paz. Além de tudo isso ficava garantido definitivamente a liberdade de culto aos protestantes, através dos Atos de Tolerância

Analisem alguns artigos do Bill of Rights e verifiquem porque ele se tornou no principal instrumento da destruição definitiva do absolutismo inglês:

1- Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento;

2 - Que, do mesmo modo, é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para dispensar as leis ou o seu cumprimento, como anteriormente se tem verificado, por meio de uma usurpação notória.

4 - Que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio.

13 - Que é indispensável convocar com freqüência os Parlamentos para satisfazer os agravos, assim como para corrigir, afirmar e conservar as leis.24

Estava criada a monarquia parlamentar, que perdura ainda hoje na Inglaterra e na maioria dos países de regime monárquico. O que o leitor atento já deve ter concluído, é que na prática a burguesia passa a governar a Inglaterra, pois no modelo parlamentarista é o líder do Parlamento (sempre um burguês), o primeiro ministro, o chefe de governo, cabendo ao rei apenas o papel de chefe de Estado (curioso notar que o rei voltou a ter um papel meramente figurativo como era nos tempos do feudalismo).

Já o caso francês está muito longe de ter sido uma revolução sem derramamento de sangue. Talvez por seu caráter mais trágico e extremamente conturbado é que também tenha se destacado como movimento basilar da derrocada dos valores do Antigo Regime, embora como acabamos de ver, não foi a França a pioneira em acabar com o regime absolutista.

Vamos recuperar um pouco as condições que se encontrava a França nos momentos anteriores a Revolução de 1789.

Politicamente a França tinha um governo absolutista, fundado na tradição do direito divino real. O rei que governava desde 1774 era Luís XVI, representante da dinastia Bourbon e casado com a arquiduquesa austríaca Maria Antonieta, filha da Imperatriz Maria Tereza da dinastia dos Habsburgos. O rei, apenas pelo caráter despótico de seu governo, já enfrentava séria oposição dos setores letrados e militantes da sociedade que nesse momento viviam embriagados pela filosofia iluminista, que exigia liberdade de expressão e o fim dos privilégios de nascimento.

A economia francesa estava em frangalhos. Como vimos em outro tópico, os gastos exorbitantes da coroa com festas suntuosas, construções de palácios e envolvimento em guerras (sobretudo a Guerra dos sete anos contra os ingleses e a ajuda militar da França na Independência dos Estados Unidos), tudo isso aliado a um período de baixa produção agrícola em função de secas prolongadas, dilapidava as finanças publicas e levava a coroa a recorrer a constantes aumentos de impostos para tentar equilibrar sua balança comercial.

A sociedade francesa era uma panela de pressão em vias de explodir, tal a insatisfação do povo sobretudo das camadas mais pobres. Os preços dos alimentos eram proibitivos em função da baixa produção dos campos, impostos cada vez mais caros e em maior quantidade e a falta de empregos gerada pela política mercantilista do governo (que através de acordos econômicos com a Inglaterra, praticamente aniquilou com os produtos manufaturados franceses que não conseguiam competir com os similares ingleses) praticamente levaram os camponeses e os sans-cullotes (como eram chamados os trabalhadores urbanos) a estado de miséria e penúria

O que agravava em muito a situação era que a sociedade francesa estava dividida em ordens, das quais o primeiro (clero) e segundo estados (nobres) eram isentos de impostos, que recaiam na sua totalidade em cima do terceiro estado, composto pela burguesia, artesãos, militares de baixa patente e trabalhadores. Portanto, o contraste social era gigantesco: trabalhadores famintos, sem empregos e direitos convivendo com o clero opulento e com a nobreza abastada passeando nas ruas de Paris com suas carruagens luxuosas em direção as festas promovidas sobretudo pela rainha austríaca.

Como a situação econômica se tornara insustentável, o rei convoca a Assembleia dos Estados Gerais para legitimar a criação de novos impostos. Dessa vez, incluindo até a nobreza na relação dos que deveriam contribuir com o erário publico.


Ilustração 21: Charge representando a exploração que os membros do Terceiro Estado sofriam da nobreza e do clero. Fonte:http://historianamao.blogspot.com/

Mediante o sistema injusto de votação os membros do terceiro estado se retiram dos Estados Gerais e vão para um salão próximo onde se declaram em estado de Assembleia Nacional Constituinte, oficialmente instalada em 09 de julho de 1789. O rei Luis XVI passa a adotar uma postura defensiva, especialmente depois de observar o apoio popular que os deputados do terceiro estado tinham em suas ações. O povo nas ruas, liderado pelos sans-cullotes, temendo a repressão real, cria a Guarda Nacional e passa a se organizar em barricadas.

Em 14 de julho, o povo invade e toma a Bastilha, fortaleza considerada o símbolo do poder absolutista pois ali eram presos os principais inimigos do rei. O que facilitou a invasão foi o fato de que muitos guardas reais terem aderido aos populares, afinal eles também sentiam na pele e no estômago a crise econômica causada pela administração absolutista. Agora armados, com bastante munição e pólvora o povo anseia por uma nova constituição que ponha fim ao estado precário de suas vidas.

Ilustração 22: Queda da Bastilha em 14/07/1789.

Fonte:http://ohistoriadorphb.blogspot.com/2010/08/slide-revolucao-francesa.html


Os acontecimentos se sucediam numa velocidade espantosa. No campo propriedades da nobreza eram atacadas e nesse mesmo ano (1789) a Assembleia votou a abolição dos direitos feudais, o fim dos privilégios do clero, confiscando suas terras e determinando a submissão da Igreja ao Estado, e aprovou a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, que instituiu a igualdade jurídica entre os cidadãos franceses que agora não seriam mais divididos em ordens.

Essa Assembleia, que não se reunia desde 1614, logo adquiriu um caráter de luta por direitos, já que os membros do terceiro estado lutavam não apenas por reformas fiscais ou tributarias, mas sobretudo por mudanças na constituição e no aproprio regime político. O problema é que o regimento de funcionamento da Assembleia determinava que a contagem dos votos deveria ser feita por ordens e não por cabeça de deputado. Dessa forma, o clero e a nobreza se juntavam e ganhavam todas as votações, apesar de o terceiro estado ter um número maior de deputados.

O rei assina a Declaração a contra gosto, pois o fizera pressionado pela mobilização popular.

A nova constituição ficou pronta em 1791 e exibia toda a influência das ideias iluministas burguesas, na instituição da divisão de poderes (Montesquieu, lembram?), criação de mecanismos que garantiam a liberdade de comércio, defesa da propriedade privada e introdução do voto censitário, que dava direitos de participação política apenas a quem tivesse dinheiro, ou seja, a burguesia.

O rei não aceitava perder seus poderes para uma monarquia constitucional, como determinava a nova constituição. Por isso, tenta fugir com sua família para a Áustria com a intenção de formar um exército contra revolucionário que lhe devolvesse o poder absolutista. Foi identificado por populares em Varennes, perto da fronteira, preso e reconduzido ao palácio real onde, à força, acaba jurando a nova constituição.

Ao mesmo tempo, as monarquias absolutistas austríaca e prussiana, temerosas de que os acontecimentos revolucionários se espalhassem por toda a Europa, invadem a França mas são combatidas e derrotadas pelo exército popular organizado pelos sans-cullotes. O rei, pela tentativa de fuga e por apoiar os invasores, acaba sendo julgado, considerado traidor e executado na guilhotina em 21 de janeiro de 1793.

O mundo absolutista europeu entrava em polvorosa com os acontecimentos na França e passava a organizar coligações militares para acabar com a Revolução.

Antes disso, porém, a Assembleia Nacional se convertera em Convenção Nacional, proclamando em setembro de 1792 a Primeira República Francesa, dominada pelas duas principais facções burguesas: os girondinos, que defendiam os interesses da alta burguesia, e os jacobinos, que representavam a baixa burguesia e os trabalhadores.

No início governada pelos girondinos, mas em função da continua crise econômica e instabilidade social, a Convenção a partir de 1793 passa a ser dominada pelos jacobinos, onde adquiriu sua feição mais radical.

Ilustração 23: Guilhotina em funcionamento. A principal forma de execução em tempos de Revolução Francesa.

Fonte:http://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/guilhotina.htm

Inspirados principalmente nas ideias de Rousseau, os jacobinos promoveram a reforma agrária, acabaram com a escravidão nas colônias e com a prisão por dividas, restabeleceram a liberdade de culto e criaram a Lei do Máximo, tabelando o preço dos produtos.

Paralelamente a isso, intensificaram a repressão aos inimigos da Revolução com a criação do Tribunal revolucionário, que segundo estatísticas não oficiais executaram em torno de 35 mil pessoas em dois anos, daí o nome que se deu a esse período, 1793 e 1794, de Terror. Alguns autores afirmam que o Tribunal acabou se perdendo em denuncias sem sentido e falta de critérios lógicos de julgamento, o que acabou levando à execução além de nobres e padres, muitos membros do terceiro estado. Mc Crory e Moulder, por exemplo, afirmam que “destes, apenas 15% pertenciam ao clero e à nobreza, cabendo uns sólidos 85% à burguesia, ao campesinato e aos trabalhadores das cidades.”.25

Apesar das medidas populares de seu governo, os jacobinos se perdiam nos desentendimentos de seus principais lideres (Robespierre e Danton principalmente) e isso, aliado ao medo geral provocado pelo alto numero de execuções, levou os girondinos a se organizarem e tomarem o poder novamente através da chamada Reação Termidoriana (de Termidor nome de mês do calendário revolucionário), em julho de 1794.

De novo no poder, a alta burguesia elabora uma nova constituição, retirando todas as conquistas populares implementadas pelos jacobinos e criando um novo tipo de governo: o Diretório, que tem esse nome pois o poder executivo agora seria exercido por 5 diretores girondinos.

Na prática o governo do Diretório (1794-1799) não conseguiu por fim às crises política e econômica. Várias revoltas aconteceram no período como a Conjura dos Iguais, de caráter popular, e até levantes de partidários da volta do regime absolutista.

A alta burguesia, percebendo cada vez mais a incompetência do Diretório para governar e administrar os conflitos sociais, apóia o general Napoleão Bonaparte que dá um golpe de Estado, o golpe do 18 Brumário em novembro de 1799, instituindo o governo do Consulado e pondo fim ao período revolucionário francês que chegara ao fim depois de pouco mais de dez anos.


24Retirado de www.dhnet.org.br/direitos/anthist/decbill.

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