sexta-feira, 6 de abril de 2012

A nova economia transformando a religião - parte 1 de 4

A nova economia transformando a religião

- parte 1 de 4

Para quem acompanhou atentamente a leitura até aqui, não é difícil entender o fato de o capitalismo também ter interferido profundamente nas práticas religiosas, na relação da Igreja com o Estado e ter contribuído decisivamente para o fim do monopólio espiritual que a Igreja Católica exercia durante milênios.

Assim como o Renascimento Cultural significou uma mudança muito grande na visão de mundo, nas produções artística, intelectual e científica, incorporada agora dentro do ideal burguês, também eram necessárias mudanças nas práticas e doutrina religiosas existentes até então, para que a burguesia praticasse sua atividade sem peso na consciência ou sentimento de culpa, afinal de contas, apesar das mudanças porque o mundo passava, a mentalidade vigente ainda era profundamente religiosa e o dia do juízo final era preocupação constante naqueles tempos.

Ao conjunto de eventos que ocorreram nesse período (início da Idade Moderna), onde ocorre o fim da predominância da Igreja Católica e o surgimento de outras igrejas Cristãs damos o nome de Reforma Protestante.

Como já destacamos em passagem anterior, a Igreja Católica era, em suma, a maior Senhora Feudal de toda a Europa. Existem autores que chegam a afirmar que 2/3 dos feudos europeus eram da Igreja. Isso tem relação direta com a doutrina estabelecida desde São Tomás de Aquino, grande nome da corrente filosófica escolástica, que a partir do século XIII afirmava que a salvação acontece mediante as obras que o cristão pratica.

Essa concepção contrariava outra doutrina, respeitada até então, estabelecida por Santo Agostinho, que dizia ser a predestinação e a fé os elementos centrais para que todo cristão praticante garantisse seu lugar no paraíso no dia do Juízo Final.

A concepção tomista passa a ser hegemônica na Igreja e a instituição torna-se ainda mais rica, pois passa a receber doações e heranças de feudos. Isso porque muitos passaram a interpretar “boas obras” como doar bens e feudos à Igreja para se reservar um lugar no céu.

O enriquecimento da Igreja, aliado ao fato de que seus sacerdotes já exerciam poderosa influência na mentalidade medieval, acaba criando comportamentos, especialmente do alto clero, que se distanciava em muito dos ensinamentos das escrituras sagradas. A riqueza e a opulência demonstrada por bispos e cardeais, exibindo jóias caras, roupas luxuosas, mesmo que religiosas, meios de transporte suntuosos e corpos cada vez mais obesos contrastava com a miséria e pobreza da maioria da população medieval composta, sobretudo, por servos.

Além da aparência, as ações de altas autoridades eclesiásticas demonstravam pouca afinidade com a vida simples, frugal e dedicada à orientação espiritual de personagens como São Francisco de Assis e Jesus Cristo.

Veja, por exemplo, esse depoimento sobre a vida que levavam boa parte do clero europeu, dado pelo intelectual renascentista genovês Leon Batistti Alberti em 1440:

Os padres são dos homens os mais cúpidos do mundo. Eles rivalizam um e outro com quem terá mais, não do que deveriam ter, de virtudes e letras, mas querem ultrapassar os outros pela pompa e pela ostentação Querem belos engastes, ricos e ornamentados; querem mostrar-se em publico como um exercito de comilões, e a cada dia,por causa de sua preguiça e de usa ausência de virtude, suas inclinações se fazem mais sensuais, mais temerárias e mais imprudentes.11

O que reforçava mais esse desregramento moral era o fato de que muitas autoridades eclesiásticas eram nomeadas apenas pela inclinação ao poder e ao enriquecimento que representava um alto cargo na Igreja. Não tinham nenhuma formação religiosa ou currículo de atividades exercidas em cargos anteriores na Igreja. Para citar três exemplos, entre muitos, Sisto IV (1471-1484) nomeou vários familiares para cargos e eclesiásticos, Alexandre VI (1492-1503) teve mulheres e filhos bastardos e Leão X (1513-1521) apreciava muito mais a caça, o teatro e a cobrança de indulgências12do que propriamente “cuidar do rebanho do senhor”. O curioso de tudo isso é constatar que todas estas práticas imorais de muitas autoridades da Igreja não encontravam respaldo na base teórica que sustentava toda a doutrina Católica desse período. São Tomas de Aquino, que citamos a pouco, por exemplo, condenava os juros e o lucro.


Ilustração 10: venda de indulgências Fonte: http://www.protestante.es/14/por-que-se-crea-la-iglesia-protestante/

Havia uma recriminação veemente dos juros por considerar que ele significava ganhar dinheiro usando o tempo, e para os cristãos o tempo não pode ser vendido ou usado, pois ele pertence a Deus. O lucro, chamado na época de usura, significava ganhar mais dinheiro do que o trabalho despendido para executá-lo, portanto, significava explorar alguém, o comprador, o que era moralmente condenado pela doutrina tomista. São Tomás não condenava o comércio desde que o comerciante não ganhasse um valor além daquele considerado justo pelo seu trabalho.

11 Citado em FERREIRA, João Paulo Hidalgo. Nova História Integrada: ensino médio. Campinas, São Paulo: Editora Companhia da Escola. 2005. p. 113.

12 Indulgências eram documentos assinados por altas autoridades eclesiásticas que garantia o perdão a quem as comprasse. Elas foram amplamente utilizadas por papas e cardeais para arrecadação de dinheiro que visavam a construção de catedrais e basílicas Foram elas também um dos grandes motivos para Lutero dar inicio à reforma protestante.


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